terça-feira, 20 de outubro de 2015

TE DEUM


II

Havia, portanto, uma cidade
onde os nossos corpos se cansavam
sofregamente de ser jovens.
Recomeçava, de cada vez, a morte.
Sabíamo‑lo. A regra, porém,
é antes esquecer, ficar. Como poderia
levar‑vos a mal? De um lado vocês
e a vida — e eu nesse outro em que se
não vive nem morre a demora de estar ainda.

Atravesso o jardim do Cartaxo
como um estrangeiro, alguém
que não viu as garrafas partirem‑se
contra a madrugada — e, se acendo
um charro, partilho‑o com as paredes,
esqueço‑me de que tenho mãos.

Pedro, Paulo — onde quer que estejam —,
eu sei que dizer muito baixinho
la muy hermosa é o suficiente para que
o paraíso reabra e o inferno (o mesmo)
se torne de novo possível. Contornando
o bilhar russo, o Carlos traz‑nos
mais três ginjas, um sorriso com sotaque,
o céu estrelado que nos mata.

A seguir, bem sabem, pago eu.


Manuel de Freitas
in Sunny Bar, com sel. de Rui Pires Cabral, posfácio de Silvina Rodrigues Lopes, 
capa de Luís Henriques e arranjo gráfico de Pedro Santos, 
Lisboa: Alambique, 2015

Sem comentários:

Enviar um comentário