quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

AVERNO | ALAMBIQUE 2015


Os nossos livros de 2015




- SMALL SONG, de Renata Correia Botelho, com ilustrações de Daniela Gomes (2.ª ed. revista, Alambique);

- PERDA DE INVENTÁRIO, de Marta Chaves, com separata de Maria Manuel Viana (Alambique);

- ÚSNEA, de Abel Neves, com uma fotografia de José Francisco Azevedo na capa (Averno);

- DEUS E OUTROS ANIMAIS, de Rui Caeiro, com organização de Delfim Lopes, posfácio de José Ángel Cilleruelo e ilustrações de Bárbara Assis Pacheco (Averno);

- RÃ, de José Carlos Soares, com capa e ilustração de João Concha (Alambique);

- PÁSSARO-LYRA (Primeiro Tomo da Suma Poética), de António Barahona (Averno);

- SUNNY BAR, de Manuel de Freitas, com organização de Rui Pires Cabral, posfácio de Silvina Rodrigues Lopes e capa de Luís Henriques (Alambique);

- AMANHÃ LOGO SE VÊ, de Vítor Nogueira, com capa de Adriana Molder (Averno);

- COMO UM HIATO NA RESPIRAÇÃO - DIÁRIO DO DIA SEGUINTE, de João Barrento, com capa sobre desenho de Catarina Domingues (Averno);

- TELHADOS DE VIDRO n.º 20, com separata de Adília Lopes (Averno);

- OS MEUS PAIS: ROMEU E JULIETA, de Pablo Fidalgo Lareo, com tradução de Manuel de Freitas e capa de José Francisco Azevedo (Averno);

- CAL, de Paulo da Costa Domingos (Averno);

- LVMINARIA, de Luis Manuel Gaspar, com capa de José Escada (2.ª ed. revista, Alambique);

- INCIPIT, de Manuel de Freitas

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

CHÃO ANTIGO


para o António Manuel Couto Viana


É pena que já não existam
esses lugares imundos – puros, quero eu
dizer – onde a morte entrava
sem ter de pedir licença.
Lugares onde eram por igual sinceros
o sono, o vómito ou a sombra de um abraço
(Mayakovsky e Céline tinham a mesma importância
e a sorte de não serem futebolistas).

É pena que já não possamos
comemorar no chão a derrota
do corpo pela manhã. Ao lavarem
os copos, da última vez, houve duas
ou três gerações que se partiram.
Talvez eu pertencesse a uma delas – mas
isso, ao poema, importa muito pouco.

Há um lugar que escreve sobre
a ausência de todos os lugares.
Tonéis de vários tamanhos
onde inscrevi, por distracção,
o único nome verdadeiro.
Estou a falar, naturalmente,
de tabernas.
Mas talvez não seja apenas isso.




Manuel de Freitas, A Flor dos Terramotos,
com capa de Sérgio Eloy e arranjo gráfico de Olímpio Ferreira,
Lisboa, Averno, 2005

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

#8




Luis Manuel Gaspar, LVMINARIA,
2.ª ed. revista, com capa de José Escada e arranjo gráfico de Inês Mateus,
Lisboa: Alambique, 2015

sábado, 24 de outubro de 2015

LUIS MANUEL GASPAR




Luis Manuel Gaspar, Luz Acesa nos Bastidores
Palacete dos Viscondes de Balsemão, Praça de Carlos Alberto, 71, Porto

24 Out.-24 Nov. 2015, 2.ª a 6.ª feira, 9:00h- 20:00h


design © Luísa Martelo

terça-feira, 20 de outubro de 2015

TE DEUM


II

Havia, portanto, uma cidade
onde os nossos corpos se cansavam
sofregamente de ser jovens.
Recomeçava, de cada vez, a morte.
Sabíamo‑lo. A regra, porém,
é antes esquecer, ficar. Como poderia
levar‑vos a mal? De um lado vocês
e a vida — e eu nesse outro em que se
não vive nem morre a demora de estar ainda.

Atravesso o jardim do Cartaxo
como um estrangeiro, alguém
que não viu as garrafas partirem‑se
contra a madrugada — e, se acendo
um charro, partilho‑o com as paredes,
esqueço‑me de que tenho mãos.

Pedro, Paulo — onde quer que estejam —,
eu sei que dizer muito baixinho
la muy hermosa é o suficiente para que
o paraíso reabra e o inferno (o mesmo)
se torne de novo possível. Contornando
o bilhar russo, o Carlos traz‑nos
mais três ginjas, um sorriso com sotaque,
o céu estrelado que nos mata.

A seguir, bem sabem, pago eu.


Manuel de Freitas
in Sunny Bar, com sel. de Rui Pires Cabral, posfácio de Silvina Rodrigues Lopes, 
capa de Luís Henriques e arranjo gráfico de Pedro Santos, 
Lisboa: Alambique, 2015

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

terça-feira, 29 de setembro de 2015

VILA VELHA DE RÓDÃO




Os livros da Alambique 
na Feira do Livro organizada pela Biblioteca Municipal de Vila Velha de Ródão
no âmbito do POESIA, UM DIA.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A cabeça estala por dentro, cansada das visões do Inferno. O Inferno é a perda de cor, de movimento, a perda de vida. Quando perdemos a vontade de regressar ao amplo espaço onde conhecemos a tranquilidade dos sonhos por realizar, é porque já não queremos fugir para o único lugar onde a vida alguma vez fez sentido. O Inferno não é a solidão mas, sim, a barreira que nos isola dos outros. O silêncio estático e apático que nos interroga através das imensas cortinas de água que toldam os nossos olhos; um sorriso que não é dirigido a ninguém. Passamos da escuridão à luz e da luz à escuridão. De cada vez, ficamos apavorados, com medo de abandonar o mundo que já conhecemos, de acabar, de chegar ao fim. Mas tudo é apenas uma passagem para outro universo, para um novo estado, um novo mundo, como nos explicou a longínqua voz de Lhasa de Sela. A beleza é impossível sem as marcas da morte, da separação, da consciência da morte que dá sentido à vida. [...]


Rui Chafes, Entre o Céu e a Terra,
Lisboa: Documenta, 2012




domingo, 27 de setembro de 2015

Manuel de Freitas, SUNNY BAR,
com selecção de Rui Pires Cabral, posfácio de Silvina Rodrigues Lopes, 
capa de Luís Henriques e arranjo gráfico de Pedro Santos,
Lisboa: Alambique, 2015

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

FEIRA DO LIVRO DO PORTO


Os livros da Alambique estarão representados
pela Livraria Utopia (stands 48, 49 e 50)
na Feira do Livro do Porto. 



domingo, 19 de julho de 2015

AS PAREDES DO SENTIDO TÊM DE FACTO BOLOR


Está tudo bem. O céu do Ocidente
decai, os índices da Bolsa mantêm-se
estáveis, catastroficamente presentes
na vida de cada um de nós
- aqueles que adiam o amor e
que sempre gostaram tanto
de mentiras certas e portáteis.

O céu do Ocidente, em Lisboa, é
um fundo negro de asfixia e paixão
onde apenas estrelas moribundas 
nos lembram que existe um olhar míope
- enquanto o milénio finda
com as suas máquinas de triturar canções,
os tão pequenos ardis que promovem
a derrota. O sangue parado, no chão.

E os índices da Bolsa como raparigas
novas nos infatigáveis jornais
por ler, ao lado dos cigarros, ajudam-nos
a esquecer os cancros que uma moral suspeita
soletra. Será isto a vida? Também.
O telemóvel de Prometeu dá-nos
indicações precisas sobre a ignorância,
observa o fuso horário do desespero.

Modos de pavor, em suma,
que em qualquer tempo seriam
esta mão ocidental e fria
que escreve para ninguém ouvir
o nada que tem (terá?)
para dizer na noite corrompida.
As coisas são assim, paciência,
e aglutinam-se, em dígitos complicados,
o novo Peugeot pensante,
terapias por cumprir de Burton:

a melancolia nos ossos, as fezes da amada
sob a cabeça amante,
enquanto um airbag trocista
nos obriga a uma vida
que se gastou tão gasta
e que rescende nula
nos mais variados aspectos.

Pois é.


- MANUEL DE FREITAS

sábado, 11 de julho de 2015

POMPE INUTILI


                             a Silvina Rodrigues Lopes


Nessuno nasce; sarebbe uno sproposito
chiamare qualcuno i residui
di placenta che avvolgono
un insieme di organi
a tutto o quasi a tutto predisposti.

Solo i morti, veramente,
esistono. Che abbiano scritto o non
abbiano scritto libri, lettere d'amore,
diari. Non importa: li abbiamo
incrociati, a volte si sono seduti
allo stesso tavolo, hanno persino creduto
nel tenero supplizio dell'amore.
E avevano mani reali, nel toccare
il viso imberbe da cui si congedavano.
Un bacio, soltanto sulle rughe,
riusciva a rendere meno freddi i mattini.

Si congedano molto male, i morti.
Sebbene, per una volta, siano
esatti e sinceri – nel momento
in cui scendono nella terra e ci impediscono
di condividere con loro una sigaretta,
l'ultimo bicchiere, una specie di destino.

Sono terribilmente reali, i morti.
La vita intera non basta
perché si possa ucciderli tutti,
uno ad uno, come di certo consiglierebbe
la più elementre igiene metafisica.
Ci danno, tuttavia, la forza necessaria
per morire sempre di più, tollerando
giorni in affitto, case leggermente
inabitabili. Perché gli altri, in
verità, non sono altro che morti imperfetti.
Sono, come noi, un po' troppo vivi.

Forse un giorno, però, potranno
firmare una poesia così (e può anche non essere
una poesia, molto meno così), in cui si noti,
oltre alle influenze ovvie, una certa
– diciamo – specializzazione nell'orrore.
Perché è solo di questo che si tratta.

I morti lo sanno.
La saggezza è inutile.
La poesia anche.


*


para a Silvina Rodrigues Lopes


Ninguém nasce; seria descabido
chamar alguém aos resíduos
de placenta que envolvem
um conjunto de órgãos
a tudo ou quase tudo predispostos.

Só os mortos, verdadeiramente,
existem. Escreveram ou não
escreveram livros, cartas de amor,
diários. Não importa: cruzaram-se
connosco, sentaram-se por vezes
à mesma mesa, acreditaram até
no terno suplício do amor.
E tinham mãos reais, ao tocarem
o rosto imberbe de que se despediam.
Um beijo, sobre rugas apenas,
conseguia tornar menos frias as manhãs.

Despedem-se muito mal, os mortos.
Embora, por uma vez, sejam
exactos e sinceros – no momento
em que descem à terra e nos impedem
de partilhar com eles um cigarro,
o último copo, uma espécie de destino.

São terrivelmente reais, os mortos.
A vida inteira não chega
para que possamos matá-los a todos,
um a um, como decerto aconselharia
a mais elementar higiene metafísica.
Dão-nos, contudo, a força necessária
para morrer cada vez mais, tolerando
dias de aluguer, casas ligeiramente
inabitáveis. Porque os outros, na
verdade, não passam de mortos imperfeitos.
Estão, como nós, um pouco demasiado vivos.

Talvez um dia, porém, venham a
assinar um poema assim (e pode até não ser
um poema, muito menos assim), em que se note,
além das influências óbvias, uma certa
– digamos – especialização no horror.
Pois é disso apenas que se trata.

Os mortos sabem-no.
A sabedoria é inútil.
A poesia também.


- Manuel de Freitas
traduzido por Daniela Di Pasquale

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Sunny, sunny bar

Trapiche, Santa Quitéria,
Boa Morte. Gostávamos
sobretudo de perder os autocarros,
sentados na esplanada mais
anacrónica do mundo
- do nosso mundo.

Em cada um adivinhávamos
fatigados destinos,
novíssimas furnas,
cercos de álcool em afronta.
Pedia, só para ti, outro gin tónico.

Mas éramos jovens, talvez felizes.
E o amor apenas nos bastava.


Manuel de Freitas, Levadas,
Lisboa: Assírio & Alvim, 2004




[Fotografia de Vítor Sousa, Funchal, 2015]

domingo, 14 de junho de 2015

13 DE JUNHO DE 2011


para a Inês Dias



A festa foi ontem. Mas não tivemos festa,
pela primeira vez em muitos anos.
Almoçámos tarde, na Rua da Regueira,
e o amor parecia diluir-se entre vielas
demasiado limpas e sombras do que já fomos. 

grinaldas frias, versos sem dono
nem sentido. Perto, ou  muito longe,
três velas teimavam em iluminar-te os passos.
O cravo, azul, veio ao nosso desencontro.
Mas era de papel, embora rubro;
não nos podia salvar de sermos nós. 

A festa, a única que me interessa é o teu nome. 


Manuel de Freitas, Sunny Bar,
sel. de Rui Pires Cabral, Lisboa: Alambique, 2015




[ID, 12/13 de Junho de 2015]

Feira do Livro de Lisboa




A Alambique
representada pela Livraria Letra Livre.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

sábado, 25 de abril de 2015

A VIDA


Da flor japonesa à coxa da rã galvanizada, vai ser preciso dormir muito para nos apercebermos da transformação. Da porta que é um corpo-a-corpo, à janela que é uma peleja, o soalho é um papagaio, o tecto um corvo que teve medo.
Há ainda a recordar do dia seguinte, a recordação de atrozes aventuras num nevoeiro de enforcado. Sabe que foi denunciado, que um parapeito está dali em diante à sua volta para o impedir de se lançar no relógio inútil que se pôs a indicar as horas. A aurora da tarde filtrada lembra-lhe a carne pura que, na proximidade dos homens, sempre desaparece num ruído de canaviais. Porque ele tocará a carne muito tempo sem a sentir e, quando a sentir, será à maneira daqueles animais encantadores que apenas sonham com a liberdade.
Toda uma rede de caretas e de contorções se opõe a que a jangada da sua idade regresse à secreta fonte do seu coração. A tarde em vão fecha a porta, uma estrada de passos, de sons, de esperança e de fadiga sempre lhe mostra aquelas grandes construções negras em que tudo para ele se compõe.
O vago substitui pouco a pouco o determinado. Em vez do sangue estende-se o mata-borrão, o mata-borrão que se embebe nas suas cartas sempre maniacamente datadas de Creusot. Olhos puros de nuvens pousam sobre ele como a ave na sua sombra. Lâmpadas varrem com a sua saia de pedra a escadaria de prata que vai dar ao grande ar dos países sem janelas. Que procura então este homem que faz uma mancha na terra? Este pobre quebra-luz lá está sobre a lâmpada das estrelas cadentes. Debate-se com a sombra matizada que choca nas suas pregas ovos de galinha-d’água, donde nascerão em hora adiantada o dever, a oportunidade a pequena felicidade e o fracasso. Os poderes do desespero com as suas rosas de sabão, os seus afagos desencontrados, a sua dignidade mal vestida, as suas respostas fugidias a perguntas de granito apoderam-se dele. Levam-no à escola das escórias, depois de o terem trajado com um avental de fogo. Persuadem-no de que o cabo de vassoura das bruxas cai a pique numa eternidade grotesca de retaguardas brilhantemente esclarecidas. Bocejam-lhe na cara sobretudo, e o que tem de mais trágico, bocejam sobre a mulher sem sequer terem o cuidado de pôr a mão sobre a boca, bocejam dos frutos da mulher com aroma de amêndoas amargas, bocejam da beleza, bocejam da duração, bocejam da recusa desta beleza e desta duração.
Uma manhã, ele lá está, a ver respirar uma cabeleira de anémonas. A rua saúda com todas as suas rodas, Entre todos os astros este... entre todos os astros… este que se submete a este astro inesquecível... Está tão perfeitamente só que se exceptua do total. Fita o dorso dos livros que se arqueiam. Escuta a música que brilha nos sapatos. Por vezes, ao meio-dia, sorri doze vezes. Sorri também à noite, quando tem medo. Põe em todas as suas sensações as algemas do sorriso.


André Breton e Paul Éluard, A Imaculada Concepção
Lisboa: Estúdios Cor, 1972

terça-feira, 14 de abril de 2015

#6




José Carlos Soares, ,
com capa e ilustração de João Concha,
Lisboa: Alambique, 2015
[150 exemplares]

segunda-feira, 30 de março de 2015

Leituras paralelas


Regressar a casa sozinho e noite dentro
quando o silêncio das árvores da rua se acentua
e os poemas que nunca hás-de fazer te atingem
com o fragor de telhas caídas de um telhado
mesmo em cima da tua cabeça - tanta fragilidade
E por fim entrar em casa, ordeiramente
A essa hora todo e qualquer remorso
é coisa de somenos, importante sim
para dormir, para brincar, só a morte
Ursinho de peluche no travesseiro
da cama - a tua morte


Rui Caeiro, Sobre a nossa morte bem muito obrigado,
com capa de Luís Henriques,
Lisboa: Alambique, 18 de Abril de 2014






URSOS


Um homem que foi atacado por um urso relata 
não é das garras nem dos dentes que se recorda
mas apenas da prolongada macieza do seu pelo


Rui Caeiro, Deus e outros animais,
org. Delfim Lopes, desenhos de Bárbara Assis Pacheco 
e posfácio de José Ángel Cilleruelo, Lisboa: Averno, 2015

quarta-feira, 25 de março de 2015

UMA ORAÇÃO


Senhor que tudo sabes e podes
e nada fazes e ainda bem
livrai-nos das prostitutas mais irresistíveis
e dos padres que tudo perdoam
e dos poetas que têm missão a cumprir
mas principalmente livra os outros
livra todos os outros
dos inúteis sonhadores pretensiosos
inveterados bêbados como Tu e eu




Rui Caeiro, Deus e outros animais,
com organização de Delfim Lopes, 
desenhos de Bárbara Assis Pacheco e posfácio de José Ángel Cilleruelo, 
Lisboa: Averno, 2015 

sábado, 21 de março de 2015

segunda-feira, 16 de março de 2015

LARGO DA MISERICÓRDIA


para o Luís Gomes


Sim, regressamos sempre
à perfídia do real
- chamemos-lhe assim, 
agora que ninguém
(muito menos os taxistas)
recorda ou utiliza 
o nome legítimo deste largo. 

Comecei pela taberna,
à esquerda de quem
sobe devagar
as Escadinhas do Dique.
Anos mais tarde, a pensão
Estrela de Ouro ensinou-me 
que o amor e o sexo
são exactamente a mesma morte:
litania de cerveja, sem preservativo. 

De um lado e de outro,
os alfarrabistas. Príncipes do pó
- e senhores, por vezes,
da lenta medida dos gestos,
do peso único de cada verso.
Quando entardece, em Lisboa, 
já sem eléctricos, já sem
Ruy Cinatti, já sem tanta coisa.

A gata recolhe-se - mortal,
feliz de o não saber. Deita-se
no sofá e concorda ou não
concorda com a ornitologia 
sacra de Messiaen. Talvez 
até prefira Hemingway,
cansados livros de bolso,
a qualquer primeira edição de Herberto.
Assina, junto de quem entra, 
um nome impronunciavelmente belo. 


*


Os candeeiros acendem-se,
menos rodeados
de pombas e de arrumadores.
O último cliente, por hoje,
queria um livro sobre os fundamentos
éticos da política norte-americana
e entrava, sem saber, num poema
inédito de José Miguel Silva.
Lá fora o mundo, a inapagável distância.

Sabe-o, melhor que nós, 
a gata, entre livros e livros
que terá a sorte de não ler. 
Aproxima-se, não tem pressa,
vem recordar-nos que estamos
vivos - menos felizes, mas vivos - 
à mercê de um verso, da sombra
pálida dos livros, da música
contrária à evidência de haver mundo. 

Este navio vai partir agora. 
Não navega, não cavalga, não tem espelhos. 
Página a página nos matamos
- portugueses, suaves, tão concretos. 


Manuel de Freitas, Blues for Mary Jane,
Lisboa: &etc, 2004

sábado, 31 de janeiro de 2015



Rui Caeiro, SOBRE A NOSSA MORTE BEM MUITO OBRIGADO, 
2.ª ed., com capa de Luís Henriques, Lisboa: Alambique, 2014

*

Isabel Nogueira (texto) e Paulo Furtado (música), A KIND OF BLUE,
Lisboa: Alambique, 2014

*

Maria da Conceição Caleiro, TOO MUCH,
com capa de Rui Pires Cabral, Lisboa: Alambique, 2014

*

Renata Correia Botelho, SMALL SONG,
2.ª ed., com capa e desenhos de Daniela Gomes, Lisboa: Alambique, 1 de Janeiro de 2015

*

Marta Chaves, PERDA DE INVENTÁRIO,
com capa de Inês Dias e separata de Maria Manuel Viana, Lisboa: Alambique, 17 de Janeiro de 2015

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

#5




Marta Chaves, Perda de Inventário,
com capa de Inês Dias e separata de Maria Manuel Viana,
Lisboa: Alambique, 27 de Janeiro de 2015


sábado, 3 de janeiro de 2015

#4




Renata Correia Botelho, small song, 2.ª ed.,
com desenhos de Daniela Gomes e arranjo gráfico de Inês Mateus,
Lisboa: Alambique, 1 de Janeiro de 2015