terça-feira, 29 de maio de 2018

Paralelo W





BAR ALTO


Quem acreditará comigo na improvável
canção que a todos espera?
Findara a noite.
E não era uma questão de geometria,
de averiguar em cada gesto
a espessura da cor, a sua perda.
Macio, porém, o vinho
que nos prolongava a voz: Douro,
um Lello sem escadas subido
(só tu, meu amigo, perceberás estes versos).

Deixei cair o guardanapo, o atilho
breve do sapato, um boné
próximo de Morandi. Tutto velo,
dizia o caderno, pão com citrino
ao lado, em tamanho mínimo.
E esse enigma, a negro;
talvez apenas o lápis do acaso,
capaz ainda de traçar a rota
dos bares, as consequências do fim,
o bordel onde nos espera Deus.

Como se bebe aqui?
Lembrei-me então de Silver Jews,
o disco que não mostrei nem ouvi,
e que certamente não despertaria
a estima do filho primogénito de Bach.
Enquanto na mesa ao lado falavam
de futebol e de futebol. Morrerão,
como nós, sob ameaça de "olhar limpo".

As coisas deste mundo? Prefiro falar
do precipício concreto
de um abraço.


Manuel de Freitas, Sunny Bar,
sel. de Rui Pires Cabral, posfácio de Silvina Rodrigues Lopes,
capa de Luís Henriques e arranjo gráfico de Pedro Santos,
Lisboa, Alambique, 22 de Maio de 2015

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