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Como se num palco escuro ou vazio, ou uma coisa e outra, um único foco de luz apontasse para um homem sozinho e desmunido de particulares atributos, ou só com um único atributo, o seu sonho. O seu sonho que é o que dele acabamos por saber e praticamente a única coisa que dele ficamos a saber. Como se o palco não fosse ocupado por um homem de carne e osso, rodeado das suas várias circunstâncias, mas pelo seu sonho apenas. Um sonho estranho, como quase todos os sonhos, mas de que valesse a pena relatar os possíveis detalhes. O palco até pode estar materialmente vazio, como se numa peça de Samuel Beckett, mas esse vazio é ilusório porque há um pano de fundo e esse pano de fundo tem um nome. Podemos chamar-lhe História. É, de resto, na História que se inscrevem os sonhos dos homens, que dela ficam a fazer parte integrante e ela ficam a ocupar um lugar menos que diminuto. Nem dará para uma nota de pé de página.
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RUI CAEIRO
in Em Torno do Desejo de Prisão, a partir de um conto de Elizabeth Bishop,
traduzido por Helder Moura Pereira, com um posfácio de Rui Caeiro
e ilustrado por Mariana Gomes, Lisboa: Letra Livre, 2009
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