quarta-feira, 11 de maio de 2016


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O teu carro era veloz, tornava pequena
e sórdida a Vinte e Quatro de Julho.
Demasiado veloz, o teu carro, a notícia 
sem rasura que chegou de noite
ao silêncio dos corações disponíveis. 

Não faz mal. São coisas que acontecem
a "esses gajos da noite". Pois, sabemos muito
bem: a morte, essa certeza improvável. 
Bebemos, claro, e fingimos que o nome
dos mortos se apaga na euforia
baça com que os dias se sucedem.
Também temos, por enquanto, uma razão
precária e urgente para fingirmos e ficarmos.
O que é muito humano - e um pouco desprezível. 

Só nunca saberei o que me querias dizer
sobre Blanchot, l'entretien (in)fini. Não esperei
que regressasses do carro, com o livro anotado,
e o último copo parece-me agora 
uma despedida incompleta, um rasto de cinza
que tinge de mágoa o balcão a que me encosto. 

Deus, Miguel, é esse estafermo iletrado
a quem nunca dedicaste um verso. Fizeste bem.




Manuel de Freitas
in Sunny Bar, com sel. de Rui Pires Cabral, posfácio de Silvina Rodrigues Lopes, 
capa de Luís Henriques e arranjo gráfico de Pedro Santos, 
Lisboa, Alambique, 2015

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