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O teu carro era veloz, tornava pequena
e sórdida a Vinte e Quatro de Julho.
Demasiado veloz, o teu carro, a notícia
sem rasura que chegou de noite
ao silêncio dos corações disponíveis.
Não faz mal. São coisas que acontecem
a "esses gajos da noite". Pois, sabemos muito
bem: a morte, essa certeza improvável.
Bebemos, claro, e fingimos que o nome
dos mortos se apaga na euforia
baça com que os dias se sucedem.
Também temos, por enquanto, uma razão
precária e urgente para fingirmos e ficarmos.
O que é muito humano - e um pouco desprezível.
Só nunca saberei o que me querias dizer
sobre Blanchot, l'entretien (in)fini. Não esperei
que regressasses do carro, com o livro anotado,
e o último copo parece-me agora
uma despedida incompleta, um rasto de cinza
que tinge de mágoa o balcão a que me encosto.
Deus, Miguel, é esse estafermo iletrado
a quem nunca dedicaste um verso. Fizeste bem.
Manuel de Freitas
in Sunny Bar, com sel. de Rui Pires Cabral, posfácio de Silvina Rodrigues Lopes,
capa de Luís Henriques e arranjo gráfico de Pedro Santos,
Lisboa, Alambique, 2015
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