A vela apagou-se depois de romper a primeira luz. Havia muito tempo, por trás de uma cortina de pedra, tão fina e negra, sacudida como cabelos negros, como cabelos partindo-se na água. Porque ao fundo de tudo era o mar, patas presas na baba de aranha, ainda agora branca se a luz desce ao parapeito. Esperava muito, adormecia: enquanto o viço venenoso das urtigas ardia no saguão.
Contem as horas e não me acordem antes de um homem saudar na rua o regresso da chuva. Tão longe dos que invadiram as salas de espera, o patamar e dois lances de escada, com chapéus de feltro e fatos de pantera, os anéis intactos por entre o fumo dos cigarros. No corredor, um deus, um anjo vago, apenas um homem, um demónio. Alguém que escapava nas escadas de incêndio, sob o sorriso vermelho das mulheres mortas.
LUIS MANUEL GASPAR
in Marto R. e Luis Manuel Gaspar, A Sombra do Farol,
Lisboa, edição dos autores, 1996
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